Trabalho em casa… e agora?

Há pouco mais de um mês fechava a porta do meu gabinete e agarrava no que achava ser o material mínimo para replicar o meu dia a dia no escritório. Tinha clara noção de que aquela quinta feira marcava o início de um período desconhecido, atípico, mas igualmente desafiante e motivador, afinal o nosso trabalho não é o que fazemos, é o que somos.

Rapidamente o termo teletrabalho passou a fazer parte do dia a dia, como um novo paradigma para aqueles que desempenham funções digitais, administrativas e de gestão, acredito porem que já por mais do que uma vez teriam utilizado o recato do lar para terminar aquele projeto mais caótico, ou aquele mapa que teimava em não ficar alinhado porque o ambiente no escritório é demasiado “ruidoso”, até mesmo aquela manha engripada e dolorosa, mas que se veio a revelar altamente profícua. A mim já me aconteceu e não é anormal fugir do escritório para conseguir encontrar um ambiente mais propício ao que me estou a propor fazer.
O trabalho remoto, prefiro o termo, não é de hoje, não é possível apenas devido às funcionalidades digitais, que o digam os serviços de “costumer service”, desde há muito que utilizam o telefone para desempenhar as suas funções, ou radialistas que produzem os seus conteúdos em casa há tanto tempo. O que é de hoje é, de facto, o manancial de ferramentas disponíveis, e se ontem era uma miragem a aceitação do trabalho à distância, amanhã (ou já hoje) será uma realidade óbvia.

Ora, se já tinha partilhado a minha visão sobre a liderança e o presentismo neste paradigma de trabalho, partilho 4 regras de ouro para manter os mesmo níveis de motivação, empenho e produtividade dos indivíduos e das equipas:
1. Estar confinado a um espaço familiar, mais informal e com as mais variadas condicionantes, cria uma confusão normal no horário biológico e é fundamental definir um horário de disponibilidade total para o trabalho em equipa, por exemplo das 10h às 12h e das 14h às 16h. Com o balizamento destes horários, toda a equipa sabe que naquele momento todos estão disponíveis e em frente ao computador. O restante tempo deverá ser gerido segundo as necessidades e as exigências imposta por cada um. A avaliação do trabalho recai no trabalho feito e entregue, não na presença física do indivíduo.
2. É fundamental estar munido das ferramentas necessárias para desempenhar as suas funções. Não ter acesso à intranet quando é na rede que tem todos os seus recursos de trabalho não vai dar bom resultado. O mesmo se aplica com os vários softwares de produtividade, é fundamental definir muito bem, o que é e para que serve. Se não for claro para todos, a cadência e partilha de informação não seguirá um ritmo eficaz e a produtividade não será a ideal.
Alguns exemplos:
Slack para comunicação imediata e pesquisável (mais seguro do que o Zoom para conference calls);
Email para comunicação externa;
Dropbox para partilha de ficheiros com um tamanho superior (o Slack é passível de ser utilizado para partilha de ficheiros);
Notion para quem trabalha em equipas multidisciplinares. Uma ferramenta de trabalho incrível;
Outras há, melhores, piores, cada uma com as suas especificidades. Acima de tudo encontrem as ferramentas que sirvam as vossas necessidades e que vos ajudem a elevar a vossa proposta.
Nunca Whatsapp. É fácil de cair na tentação de partilhar trabalhos no chat, mas não é esse o propósito da app.
3. De forma a manter as pessoas todas “ligadas”, aconselho a definirem uma hora para conversarem todos em conjunto. Algo totalmente informal, sem agenda definida, que sirva acima de tudo para olharem uns para os outros e manterem os laços, ouvirem as piadas do costume e naturalmente partilhar as dúvidas e ideias. As nossas são às 11h;
4. A relação ambiente familiar e computador pode ser bastante perversa, tudo está à mão e, portanto, dividimos os minutos entre estes dois universos. Não deixem que isso aconteça. Definam bem o momento em que estão a trabalhar e os momentos familiares. É mais saudável.
Como nas instalações das nossas organizações há fundamentos, estas 4 regras, apesar de simples, foram importantes para definir critérios.

Acredito que muitas organizações vão aprender a dar valor ao trabalho remoto e tenderão a propor este formato. Há uma poupança brutal em deslocações, tempo útil de trabalho, o foco aumentará, as instalações deixarão de ser tão relevantes… São muitos os pontos positivos. Todavia, não serão apenas as organizações a ter que valorizar o trabalho remoto, os colaboradores também terão de aculturar estas alternativas e usufruir das suas vantagens.

A intolerância das Minorias

A nossa evolução como seres racionais está assente na nossa capacidade de criação de cultura. Ao contrário do expontâneo, natural, virgem, o facto de criarmos cultura, dá-nos uma dimensão superior a nível intelectual. A inteligência animal está assente nos seus instintos, e mesmo estes variam de espécie para espécie. Acrescento nesta partilha a inteligência artificial, apenas possível porque nós, humanos, conseguimos entender os mistério dos números e a esses juntamos códigos de letras, originando uma imensidão de caracteres que resultam em automatismos artificiais independentes.

De facto, ao longo da nossa existência, fomos capazes culturalmente de evoluir como seres vivos, construímos, inventámos, resolvemos, curámos, criámos, definimos padrões de vivência individuais, colectivos, globais, cruzámo-nos nas tradições ou evoluímos/progredimos individualmente nas nossas decisões. Em suma, a nossa capacidade de pensar torna-nos responsáveis de nós próprios pela decisão das nossas acções.

Reduzindo estas generalidades para a realidade das últimas décadas, o ritmo de crescimento do conhecimento, a evolução palpável do bem comum e a progressão a que assistimos da multiplicidade de formas de estar, educações, tradições, crenças, a exclusão de tudo e a cada vez menor inclusão, é de tal forma grande que somos desafiados a continuar a crescer culturalmente para tolerar, aceitar, entender e respeitar, toda e qualquer forma de estar.

Hoje, as minorias* vão vencendo batalhas, numa guerra, acredito, que não terá fim, já que algumas “minorias” também são uma forma de estar. Curiosamente, as minorias são arrogantes, não são apenas um conjunto de pessoas, menor em número do que maior, que vivem ou tem a visão de algo diferente da maioria e que portanto expõem-se, exigindo que a maioria os aceite (com todo o direito, diga-se). São arrogantes, porque apelam à tolerância, mas não são tolerantes. É um paradoxo irresponsável, egoísta e que infelizmente tem repercussões para todos, minorias e maiorias. São arrogantes, porque advogam verdades absolutas, exigindo que as maiorias alterem os seus hábitos em nome destas verdades absolutas, mas não conseguem ser tolerantes perante as necessidades absolutas de todos, das minorias e das maiorias. As minorias são arrogantes, porque não se querem vacinar, mas exigem que os omnívoros comam só a parte dos vegetais. As minorias são arrogantes, porque não abdicam da sua crença para um bem maior proporcionando imunidade de grupo, mas afrontam um Deus maior (seja de que religião for). As minorias são arrogantes, porque usufruem do sistema nacional de saúde, mesmo quando contribuem activamente para o mal de todos, não da maioria.

Eu também pertenço a uma minoria, sou cristão, somos muito menos do que o grupo de pessoas que não acredita em Deus nenhum, mas nem por um momento, pelo amor que me é proposto, serei arrogante ao censurar um bem maior. Eu também sou uma minoria e exponho-me a ela, propondo respeito e aceitação, mas jamais “cresço” perante um igual em sinal de superioridade minoritária.

A evolução cultural, acontece porque somos capazes de viver em harmonia, num mundo de diferenças, mas a harmonia é quebrada quando a pequenez e irresponsabilidade é o alicerce das minorias.

*O termo “minoria” é usado às vezes para descrever as relações de poder social entre grupos dominantes e subordinados, e não apenas indicar a variação demográfica dentro de uma população.

O Presentismo entrou em crise…

Nunca fui muito de temas de actualidade mas o que estamos a viver ultrapassa qualquer tema mundano. Tudo é uma excepção nestes dias e parece impossível passar ao lado do Covid-19. 

De facto, esta pandemia já alterou por completo o nosso dia a dia, com particular incidência na nossa actividade laboral. De repente o termo tele trabalho salta para tudo o que é noticia, as redes sociais explodem de partilhas caseiras com a temática “Work at home”, muitos softwares de partilha de trabalho são testados pela primeira vez nas organizações, equipas inteiras apercebem-se que é possível “teclar” sem estar por perto e as lideranças são pressionadas a repensar a forma como gerem, mas acima de tudo, como controlam os colaboradores.

Só por si a palavra controlar já me cria uma certa urticária, mas serve bem para o caso, aliás é a palavra certa para definir liderança na grande maioria do nosso tecido empresarial. Ainda somos os chefes e patrões, os manda chuva e capatazes, ainda optamos por mandar e justificamos a autoridade com a hierarquia. É mais fácil e o resultado aparenta ser o mais positivo para a organização. Pessoalmente acredito que também dê um certo gozo a quem usufrui de tal estatuto, não fosse o Ego um animal guloso.

O tema liderança começa a ser recorrente e agarrado a este tema vem o “treino” da liderança, apesar de começar a ser falado e de haver quase mais Coaches do que lideres no mercado, as lideranças das empresas portuguesas continuam a adorar o Presentismo (sim, existe no dicionário português), o acto do colaborador estar presente, não necessariamente estar a produzir, mas estar lá. Ora, por estes dias o Presentismo entrou em crise, e com ele o pânico instalou-se no seio dos lideres e no resultado do controlo das pessoas. 

Como é que é vão saber se as pessoas estão a trabalhar se não as estão a ver? Como é que vão acarretar comandos se não foi possível levantar a voz? Como é que passarão trabalho se não se podem deslocar ao gabinete? Quantas vezes foram à casa de banho? E fumar? Tudo perguntas que representam alimento de poder, que em nada justifica uma boa liderança, ou a capacidade de gerir bem recursos. Autentico sustento de cargos superiores, que há muito já não justifica o que são. Crenças e posturas que inibem o máximo potencial dos recursos e naturalmente, boicotam o valor das organizações. O Presentismo está em crise e esta não é uma crise passageira, veio para ficar, veio desafiar os indivíduos a serem melhores, a aprenderem a procurar resultados concretos, entender a duração das coisas, a aceitar o silencio como máximo poder de comando, a organizar de forma a ajudar, a partilhar os resultados de forma a aumentar o retorno, a modernizarem os métodos… Acima de tudo, a perceber que o Presentismo sempre foi uma falácia corporativa e que o tele trabalho é apenas mais uma forma de laborar.

As ultimas gerações foram educadas a pensar, estão mais preparadas e pensam de forma critica, exigem participar nas organizações, pouco importa onde estão, como o fazem e a que nível o manifestam, eles querem fazer parte de algo e esse algo terá que ser muito superior a um chefe ou director, muito menos serão quatro paredes. Os recursos de hoje, produzem porque acreditam no propósito, e se esse propósito for real e plural, até no cimo de uma árvore prestes a cair serão capazes de entregar a melhor resposta possível ao trabalho proposto… remotamente.