Credibilidade acima de tudo

Em 2016, Garrett McNamara “apoiou” a candidatura de Almada a Cidade Europeia do Desporto para o ano de 2018. Rapidamente choveram manifestações positivas e negativas acerca desta opção de representação, sendo natural, até porque Garrett McNanamara não é português o que desafia desde logo a condição patriota dos portugueses, é também lógica, afinal já representou a Nazaré, Portugal, pelo meio marcas e agora Almada.

Já há algum tempo que ponderava escrever acerca deste fenómeno, agora penso ter chegado a altura certa. Desde já, por questões profissionais, sendo marketer e tendo colegas a tomar estas decisões (de escolhas sobre endorsement), apraz-me perceber que todos fizeram excelentes opções ao escolher McNamara como representante daquilo que queriam comunicar. O alcance que conseguiram foi excepcional e por si só, sendo que estamos a falar de bens de consumo (café) ou locais (pais, cidade e vila), o critério de segmentação predefinido é bastante alargado, logo os resultados só podem ter sido mais do que conseguidos. 

Recuando bastante no tempo, e de forma a sustentar esta opinião (não querendo entrar em pormenores técnicos de surf), quando a Câmara Municipal da Nazaré procurou explorar a especificidade da Praia do Norte, recorrendo a um surfista estrangeiro disponível para desbravar as condições únicas desta zona, de forma a dar a conhecer, logo explorar economicamente esta vantagem competitiva (reforço a exclusão da questão tecnica de surf), essa escolha provou ter sido perfeita. Os intentos da autarquia, na minha opinião, foram mais do que conseguidos. A Nazaré beneficiou de um alcance sem igual, de extensão mundial, percorrendo todo o tipo de meios e de reconhecimento autentico, já que a zona apresentava-se como tendo ondas específicas e o surfista explorou essa especificidade no seu expoente máximo. Assim, podemos concluir que o objectivo era claro e o resultado superou esse objectivo. Hoje, a Nazaré está no mapa (reconhecimento) e evoluiu economicamente no sector privado.

Pegando nos percursores (CMN) e levando esta estratégia para todas as outras relações representativas – Portugal, Café Boundi, Lion of Porches, Mercedes e agora Almada, podemos assumir que foram opções válidas, até porque os valores de representatividade (é publico) são interessantes e os resultados imediatos – a constante opção pelo mesmo personagem faz com que o reconhecimento se mantenha em alta, foram também bastante inteligentes já que todas estas marcas tentavam ir buscar algo inspiracional ao “Surf” – com reconhecimento evidente e duradouro. Portanto, parece não haver espaço para grandes críticas negativas às ligações das marcas com este indivíduo, não me parece sequer discutível que as estratégias acima descritas fossem erradas, os resultados provaram ser certeiras.

Todavia, há efeitos colaterais neste tipo de estratégias longas no tempo e comuns na génese. A médio prazo e quando a temática exposta é especifica, neste caso – Surf e Ondas, o alcance per si, sem critério e sem sustentação, não só não converte, como o investimento fica disperso. Senão vejamos, a Nazaré neste momento ficou conhecida, mas, além de projectos privados de imobiliário (não hotelaria), o investimento que aparece, aparece para investir no Garret Mcnamara e não na Nazaré. O que me parece natural, já que o reconhecimento está no indivíduo e não a marca/produto/serviço. Este fenómeno está de facto a acontecer, tendo a Câmara local voltado a investir no reconhecimento da zona por outras vias, não no surf actividade, mas na zona turística como um todo.

A credibilidade também fica beliscada a médio prazo, ou seja, se o objectivo foi apenas alcance/reconhecimento (awareness) o proveito é total a curto prazo, porem a médio prazo a mensagem global de curta duração, torna-se de média duração pelo target conhecedor, o que define como negativa a mensagem se esta for inócua. O que é o caso, já que o mensageiro neste caso não transporta apenas a mensagem, ele proprio representa-a.

Volto à primeira frase e de lançamento deste tema – Almada, na minha humilde opinião, escolheu muito bem se o objectivo é angariar votos no exterior, o que me parece lógico. Todavia, não geriu pelos vistos o target conhecedor e detentor de opinião qualificada, o que em casos como este são fundamentais ter em conta. Não só pela relação social com a edilidade, mas também pela relevância que o target “core” tem a longo prazo numa zona tão especifica e tão importante para Almada como a Costa de Caparica.

Em jeito de conclusão, deixando uma opinião menos mercantilista mas largamente mais eficiente – Algo de muito errado se passa quando se continua a achar que é dinheiro bem gasto disparar “cartuchos” indescriminadamente de forma a acertar em alguém, sem ter a minima capacidade de analisar e apontar ao alvo certo para o produto certo. Já não é nesse tempo em que vivemos. 

As administrações já não podem ficar contentes apenas com cadernos de valorização hiperbolizados, a conversão real de tal investimento tem que ser tangível e de preferência deixando um legado de credibilidade e reputação gerível. Será sempre fácil de apresentar resultados inócuos, mas cobertos de um valor imenso percepcionado (o alcance e reconhecimento).

O Presentismo entrou em crise…

Nunca fui muito de temas de actualidade mas o que estamos a viver ultrapassa qualquer tema mundano. Tudo é uma excepção nestes dias e parece impossível passar ao lado do Covid-19. 

De facto, esta pandemia já alterou por completo o nosso dia a dia, com particular incidência na nossa actividade laboral. De repente o termo tele trabalho salta para tudo o que é noticia, as redes sociais explodem de partilhas caseiras com a temática “Work at home”, muitos softwares de partilha de trabalho são testados pela primeira vez nas organizações, equipas inteiras apercebem-se que é possível “teclar” sem estar por perto e as lideranças são pressionadas a repensar a forma como gerem, mas acima de tudo, como controlam os colaboradores.

Só por si a palavra controlar já me cria uma certa urticária, mas serve bem para o caso, aliás é a palavra certa para definir liderança na grande maioria do nosso tecido empresarial. Ainda somos os chefes e patrões, os manda chuva e capatazes, ainda optamos por mandar e justificamos a autoridade com a hierarquia. É mais fácil e o resultado aparenta ser o mais positivo para a organização. Pessoalmente acredito que também dê um certo gozo a quem usufrui de tal estatuto, não fosse o Ego um animal guloso.

O tema liderança começa a ser recorrente e agarrado a este tema vem o “treino” da liderança, apesar de começar a ser falado e de haver quase mais Coaches do que lideres no mercado, as lideranças das empresas portuguesas continuam a adorar o Presentismo (sim, existe no dicionário português), o acto do colaborador estar presente, não necessariamente estar a produzir, mas estar lá. Ora, por estes dias o Presentismo entrou em crise, e com ele o pânico instalou-se no seio dos lideres e no resultado do controlo das pessoas. 

Como é que é vão saber se as pessoas estão a trabalhar se não as estão a ver? Como é que vão acarretar comandos se não foi possível levantar a voz? Como é que passarão trabalho se não se podem deslocar ao gabinete? Quantas vezes foram à casa de banho? E fumar? Tudo perguntas que representam alimento de poder, que em nada justifica uma boa liderança, ou a capacidade de gerir bem recursos. Autentico sustento de cargos superiores, que há muito já não justifica o que são. Crenças e posturas que inibem o máximo potencial dos recursos e naturalmente, boicotam o valor das organizações. O Presentismo está em crise e esta não é uma crise passageira, veio para ficar, veio desafiar os indivíduos a serem melhores, a aprenderem a procurar resultados concretos, entender a duração das coisas, a aceitar o silencio como máximo poder de comando, a organizar de forma a ajudar, a partilhar os resultados de forma a aumentar o retorno, a modernizarem os métodos… Acima de tudo, a perceber que o Presentismo sempre foi uma falácia corporativa e que o tele trabalho é apenas mais uma forma de laborar.

As ultimas gerações foram educadas a pensar, estão mais preparadas e pensam de forma critica, exigem participar nas organizações, pouco importa onde estão, como o fazem e a que nível o manifestam, eles querem fazer parte de algo e esse algo terá que ser muito superior a um chefe ou director, muito menos serão quatro paredes. Os recursos de hoje, produzem porque acreditam no propósito, e se esse propósito for real e plural, até no cimo de uma árvore prestes a cair serão capazes de entregar a melhor resposta possível ao trabalho proposto… remotamente.